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sábado, 26 de abril de 2014

O Abismo

Ontem morri... Acordei com dois tiros no peito
E um mar de hipóteses vagando sobre o quarto
A pele moldada e frouxa, se debatia e abatida
Não havia flor que a corasse
Todo quarto em preto e cinza, como foligem
Sentia-se até o cheiro do fogo, brazando a alma
Na espinha, descia fervendo toda mágoa de uma vida avulsa
Sem paredes, sem teto, sem ruínas
Os olhos entreabertos, não mais que entreabertos, perpassava a loucura que a mente conduzia
Minha sombra era insosa, vagava atrás da luz de meu quarto
Sem abajur, o quarto era uma tormenta
e sem janela, janela d'alma, água vazia
A casa ruía em desprezo e saudade
Não se ouvia vozes, só lamentos
A rua em frente, um carnaval se passava
Todas as pessoas desnudas, alegres, e coloridas
Coloriam o preto de sua alma, enfim alma
Não se falavam, eram amigas
Minha casa, minha vida, minha morte
O que vem depois da morte?
Quem sabe outra vida
Não há flores no deserto, sob ele há imensidão
Permitia tão circuspecta forma, o espelho
Tão ávido, de forma que sentia as dores
O outro, me olhava, e não me via
Não me via por dentro, era um espelho sem alma
Eu já surdo, com as balas no peito, fadiguei
Li minha história em um livro sem páginas
Um livro de capa marcada, de quem já sabia onde viver
A minha ínfima área da vida, como um terraço
Era sujo, cheio de marca de pombos
Mas os pássaros que lá habitavam, faziam seus ninhos em formas sobre sua cabeça!
Meus óculos, minhas mordaças, minhas memórias, não existem mais
Hoje me tornei poça de sangue, como bicho do mato
Clautro, dentro de minha arma
Me tornei poça de solidão, como uma flecha errante
Senti que me perdoava, mas não ouvia o meu perdão.

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