Páginas

sábado, 26 de abril de 2014

Ave Mansa

Era passado... Todos os cães ladravam
A água escoava o rio
Lama leve, ligeira... Passava
Os pés molhados, nadadeiras
E como tal flor de pele laranjeira, se deitava ao bem-te-vi
Aonde e ali, aonde queira
Se via logo ao passar, qualquer poeira
Que tal e qual, qualquer cegueira
Via mais longe que qualquer, e tanto, mais fogueira
Que queimava todo lado, toda água, todo canto
Escondia sob o tapete oco, as trincheiras da morte
Com o compasso em riste e total sorte
Se via a sorrir, como finge, como pode
Através da vidraça, já embaçada pelo orvalho cedo
Já sentia o caminhar negro e puro, das crianças a solta
Se fossem vento, manavam o tempo
Como mão de velho, tão calma e pesada, mais chegada a morte
Com mais vida, que a própria vida
Até se via a grama desenhar o corpo, lá fora
mas aqui dentro
É que ocupava espaço, é que ocupava o tempo
Espaço que era curvo, que era lasso, que era todo
Espaço esse, dentro de mim que não existe tempo, nem nas mais rugas víceras
Nem nos mais frouxos sentimentos
Me senti pesado, caí sobre mim
Me senti passado, o hoje ergueu-me em estátua de vidro
Polida e muda, como burro
Que chegando ao caule d'árvore, ouviu ave dizer:
-Eu sou o seu maior problema e minha própria solução.

Nenhum comentário: